UMA POÇÃO DE HUMANIDADE.
Trecho 2 / Março, 18 de 2020.
Pelo trecho anterior, jóquei
após jóquei, ficaram sempre apeados e desatualizados. E nós na sociedade actual
celebramos contratos, estabelecemos regras, fazemos contas, idealizamos o
futuro e tudo isso fica numa total insciência. Fica nos apeadeiros dos
interesses, dos cânones do mercadejado e acima de tudo numa peneira que após a
malha nos separa do trigo e do joio.
Em Sabouga havia a eira do
povo sitiada num terreno do meu avô Adriano e Avó Felismina. O meu avô foi um
homem que foi protagonista na primeira guerra mundial (1914/1918) e foi dado
como morto numa trincheira. Foi um dos bravos do pelotão que quando regressou,
“vivinho da costa”, trazia a toxicidade entranhada no corpo que lhe originou
alguns estados de humor que o afligiram até fechar os olhos. Tenho dele, quando
vinha passar férias de Marco de Canavezes uma imagem de repolhudo. Tinha um
barrete de lã com uma bolinha a fazer de testo, sempre na careca… e pediu-me a
minha metralhadora de brincar para se lembrar de mim e da sua guerra. Ficou
exposta à cabeceira da cama e em troca deu-me um sachinho de jardim que ainda
hoje o possuo. A minha avó era uma
mulher franzina. Uma paz de alma e uma mulher ao nível da padeira de
Aljubarrota nas suas tarefas de mãe, domestica, agricultora e pastora. Tinha um
bigode farfalhudo e um olhar de uma melancolia que me faz lembrar a Mona Lisa
de Leonardo da Vinci. Falo da década de 1960. Era um pirralho.
Nessa eira, há uma oliveira
que tem enraizada em si uma história que se viveu nas invasões francesas. Na,
sua narrativa existe reparos a lugares da Freguesia de Lavegadas (1811). …
Diz a lenda que o exercito
francês veio a Sabouga fazer uma pilhagem na procura de valores e alimentos. O
povo escondeu-se pelos quintais e Serra do Bidoeiro, mas conseguiram sequestrar
uma mulher desprevenida. Tiraram-lhe a roupa… deixando-a pendurada nela pela
cintura. Tendo os soldados de Napoleão coagindo a pobre coitada e ouviu-se: -
“Ó Maria, anda que já se foi embora o inimigo”. Nada conseguiram. Deixaram um
rasto de esbulho e ainda dois tiros na porta do padre… hoje a casa do meu
padrinho Albertino.
E nesta amalgama de episódios
que vivi e me disseram que foi vivido, constato que a história evolui imenso e
que cada vez menos temos tempo para nos aprovisionarmos de defesas e olhar de
frente os inimigos olhos nos olhos na luta pela sobrevivência.
… … …
(a "coisa" vai
seguir).